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A dor do desabrigo implodiu meu miocárdio. Fibrilando dia e noite na angústia silenciosa dos imperceptíveis risos cegos. Entre a sístole da tristeza e a diástole da felicidade, as extra-sístoles troianas instalaram caladas, em cada momento desatento, uma granada, uma bomba programada. Dilacerado em surdina repentina, somente agonia e poeira pairam sobre o que formaram os alicerces de um coração: o meu.
Descendo as escadas do hospital, barata competente à meia noite, não enxergo nada, o caminho é ressabido. Vinte e três degraus, mais a virada, tudo em granito comercial até chegar ao subsolo. Direita, direita, banco 24 horas, lanchonete 24 horas, menos de sábado para domingo, som de bandoneon. Tragédia Passional em três atos: começo, MEio e FIM.
Meu irmão, empanzinado de morfina grita de dor, e eu enfartada de amor compro doces de gianduia, entediados pelo cheiro travento nas madrugadas eternas do Pronto Socorro. As portas se abrem, é a Interprise! Onde estará o Sr. Spoke, que tudo sabe que tudo cura? Então para que o Dr. McCoy??? Exorcismo. Mea Culpa, Mea Maxima Culpa. Salvem meu irmão e sobre um canteiro de amor-perfeito joguem as cinzas do que foi meu coração!
Voltemos às baias para arriscar escolher o vencedor, aquele que hoje sai vivo e sem dor. Por uma cabeça e várias outras partes perdemos todos nesta noite de desespero. Logo sai mais um enterro. O aroma de formol embriaga o necrotério enquanto seus crimes continuam sem solução.
Varro o chão bicolor azul com meus olhos anestesiados por lágrimas amnésicas. Esquecerei (já esqueci) o que havia no caminho de volta: uma sensação de féu no escuro céu-da-boca desestrelado, que me subiu à garganta como golfada de criança. O refluxo da minha idolatria perene, etérea.
Antes que o dia amanheça, adjurem Karen e minha artéria mesentérica, abençoem Maria e minha contralateral, Santa Clara clareai os céus nos livrando dos raios e trovões. Virgílio nos guie até o Paraíso. Mas estamos no Paraíso e ele faz divisas com a Liberdade e a Bela Vista!
- Vá com Deus!
-Fique com ele!
-Amém!
Essa crônica deu origem ao meu "Blogger" Antes que o Dia Amanheça, foi escrita em uma madrugada fria de outubro de 2005.
Depois dela, infinitas histórias vieram, todas elas antes que o dia amanhecesse...