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Transformados no encontro...

Quantas hipóteses sobre o futuro que já se tornou presente... E me pego a questionar: o que haverá de existir no “tempo dos meus filhos – os quais não tive ainda”, que me será impraticável absorver... É curiosa essa declaração que marca, como o monolito de 2001, os donos de cada época.

 

E me vejo conversando com um filho mais velho, lá pelos seus 23 anos, com grandes e expressivos olhos azuis, que julga estar no começo da adolescência (puxou a mãe...). E se torna viva e fresca na memória a sensação que ainda não tive: a vida crescendo no meu ventre, amparada nos meus braços junto ao sentimento de que pela primeira vez nós dois fizéramos algo de valor incontável, sem volta, sem probabilidade de remorso, sem may be, nem quiçá.

 

Papeando com ele, ouvi a narração detalhada sobre as maravilhas dos anos 90, a paixão que ele e as muitas amigas (aqui não puxou a mim...) têm por aquela época um pretenso modo cult e ainda indignação quando as pessoas denominam a “década de isso, ou aquilo”, etc.

 

Enquanto o escutava, ia me lembrando da atração que a década de 60 – Bonequinha de Luxo -, exerce sobre mim. Será, que embrenhando-nos cada vez mais nesta era tecnológica, precisaremos visitar o passado no qual nos tecemos para saber quem realmente somos?

 

Se isso  faz algum sentido, vale guardar aquela que chamei Poesia Fantasma (já é um nome para este tempo), bem como todo meu baú de escritos, em bom papel e caneta, pois eis que não sabemos o que há de vir, mas papel e caneta perdurarão, tenho certeza, qualquer outra mídia, irá sucumbir a outra e outra! E quem sabe esses filhos, agora imaginários, possam presentear seus pimpolhos daqui a alguns anos, ajudando-os a conhecerem a si mesmos através de mim...

 

A esta altura, devem estar pensando que esta Leoa é mesmo maluca. Mas reendosso: só o medo da perda (atenção: o medo, não o pânico) nos faz cautelosos com o que nos é precioso. Acho curioso o rótulo que certos sentimentos ganham, como se tivessem limites patológicos e só existissem dessa forma. Não admito que há algum sentimento desnecessário. Nenhum. Cada um cumpre sua função e dela é Mestre. O desafio é sua dissecação de sentido até que possamos escutá-los. Só assim ouvimos a nós mesmos com a verdade inteira que podemos existir, plena de idiossincrasias, fragilidades e possibilidades.

 

Seguirei mais calada que falante, refletindo sobre o sentido dessa existência, pelo qual a vida não seja somente a execução dos dias em infindáveis pagamentos de contas e acertos de dívidas. Coloco esse sentido na diferença que fazemos no contato com o outro. Esse exercício mágico de transformar e sermos transformados no encontro.

 

Há não muito tempo, quando eu queria um porquê para continuar registrando minhas fantasias pelo mundo digital, ocorreu algo: recebi uma mensagem, de uma pessoa querida da minha infância, a quem não vejo há mais ou menos 17 anos. Não preciso dizer que emoção é muito pouco para expressar o que senti nesse carinho virtual.

Notícias vem e vão, de lá e de cá, ela me conta que terminou um trabalho sobre a importância do afeto, trabalho que dedicou a mim, porque eu a inspirei! EU???!!!

 

Caso tenha mesmo feito isso, quem foi esse EU capaz de inspirá-la? Onde guardei a firmeza da fala, do alento, da competência de contagiar o outro a privilegiar afetos? Eu mesma passo a vida me escondendo dos meus, abafando-os como a percevejos que, ao menor toque, exalam um odor desagradável... Passo a vida burilando disfarces e argumentos que persuadam a mim e aos outros de que afetos nos deixam vulneráveis...

 

Arquivo minha surpresa para habituar-me na hostilidade dos argutos, tão experts em drible, em matemágica, em inteligências, em traições... Encontrar Niracilda foi como resgatar a mim mesma, daquela masmorra cuja chave carrego no pescoço...

 

Eu agradeço a essência dos que me restituem a mim mesma, ordenando que eu seja o exercício do meu melhor, e do meu desafio em ser.